Ao passar o braço pelas costas da rainha Elizabeth II, da Grã-Bretanha, na semana passada, a primeira-dama americana, Michelle Obama, se tornou protagonista de uma suposta gafe que correu o mundo. Sim, suposta gafe. Na avaliação de uma especialista no assunto, Eliane Ubillús - vice-presidente do Comitê Nacional do Cerimonial Público (CNCP) e da Organização Internacional de Cerimonial e Protocolo (OICP), entidades que representam os profissionais da área de cerimonial -, o abraço não configurou quebra de protocolo ou sinal de despreparo da primeira-dama em relação à etiqueta da diplomacia. Foi, isso sim, uma consciente flexibilização das regras cerimoniais.
Para a especialista, Michelle mostrou personalidade, com uma atitude que evidencia a modernização do protocolo público, cada vez menos rígido. "É um sinal dos tempos", comenta Ubillús. Já a delicada retribuição por parte da rainha indicaria que ela compreendeu e apreciou o gesto, e também que deseja estreitar relações com os Estados Unidos. Outro exemplo de gesto com subtexto é o efusivo cumprimento que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu do colega americano, Barack Obama, no encontro do G-20. "Obama está querendo se fazer amigo e acalmar o Lula, que vem batendo forte nos países ricos." Leia a seguir a entrevista com a especialista.
VEJA.com - A mídia fez barulho por causa do abraço que a primeira-dama americana, Michelle Obama, deu na rainha Elizabeth. A rainha é intocável?
Eliane - No protocolo rígido britânico, a rainha não pode ser tocada. O contato físico tem que partir dela, e são raríssimas as vezes em que a rainha estende a mão a alguém. Creio que haja duas interpretações possíveis sobre o abraço dado por Michelle Obama. Uma é que a primeira-dama americana desconhecesse o protocolo, o que é difícil. Duvido que ela não tenha sido preparada para o encontro em Londres. Outra possibilidade, que eu considero a mais provável, é que ela tenha usado do abraço como uma forma de comunicação, uma maneira de dizer à rainha quem ela é e de onde vem. Michelle é dos Estados Unidos, uma nação com outros hábitos, ela não é súdita da monarquia britânica. Deve ter sido pela mesma razão que ela não flexionou os joelhos diante da rainha.
VEJA.com - Mas, afinal, houve quebra de protocolo no gesto de Michelle Obama?
Eliane - Não. Nesse sentido que proponho, o gesto de Michelle não deve ser entendido como uma quebra, mas sim como uma flexibilização do protocolo. O abraço dado por ela é o sinal dos tempos, que pedem costumes mais gentis e suaves, mais humanos. O cerimonial está mudando, os chefes de estado estão se despindo das regras engessadas e mostrando mais a sua cara. A rainha parece ter entendido e aceitado a atitude da primeira-dama americana. O fato de ela ter levado a mão à cintura de Michelle, em retribuição ao abraço, foi uma resposta delicada, que em sua linguagem cênica disse: 'Vamos buscar proximidade, nossos países podem ter uma relação mais estreita'. Além disso, a rainha também pode ter procurado mostrar que não é racista.
VEJA.com - Já o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, parece ter descontentado a rainha Elizabeth ao cumprimentar, em voz alta, o colega Obama após a foto do tipo álbum de família dos chefes de estado.
Eliane - Em encontros de chefes de estado como o da cúpula do G-20, na semana passada, não se pode falar alto. Não se pode chamar a atenção. É uma questão de respeito à soberania dos estados, regulamentada já em 1815 pela Convenção de Viena: nenhum país é maior que os outros, todos são soberanos, todos são iguais. A rainha certamente não gostou da postura do Berlusconi, que foi desrespeitosa. O Berlusconi tem dado demonstrações de péssima postura, talvez faça isso para chamar atenção.
VEJA.com - Seria uma espécie de marketing político, ainda que às avessas?
Eliane - É possível. O Berlusconi é uma das estrelas, uma das pérolas que temos hoje. Ao lado dele, estão outros como o venezuelano Hugo Chávez, com as suas bravatas, e a argentina Cristina Kirchner. Em evento internacional realizado em maio do ano passado, em Lima, ela se atrasou para a chamada foto de família [aquela em que parte dos chefes de estado aparece à frente, sentada, e o restante fica atrás, de pé]. Ficaram todos esperando por ela. Isso acaba fazendo parte do marketing político deles. O Berlusconi se tornou famoso por suas gafes. No último sábado, ele obstaculou o início da cúpula da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], em Estrasburgo, na França, porque estava falando ao celular.
VEJA.com - E a abordagem calorosa que Lula recebeu de Obama na reunião do G-20, seria uma estratégia política do presidente americano?
Eliane - Com certeza. A fala do Obama, para mim, mostra que ele está querendo se fazer muito amigo do presidente Lula para que ele pare de bater nos países ricos como vem fazendo. É uma forma de ele ficar mais íntimo e, assim, amansar o Lula. Essa proximidade também pode garantir para os Estados Unidos que o Brasil seja seu aliado na América do Sul. Lula governa o principal país da região. Cumprimentos efusivos como o visto no encontro do G-20 são formas pacíficas de administrar o mundo.
VEJA.com - Quando você fala nas pancadas que Lula vem dando nos países ricos, você se refere à declaração de que a culpa da crise é de 'gente branca de olhos azuis', dada pelo presidente ao lado do primeiro-ministro britânico Gordon Brown?
Eliane - Isso. Mas não acho que o Lula tenha agido mal na ocasião. A sua declaração foi uma atitude política. Eu acho que ele está querendo mostrar a soberania do Brasil, mesmo errando em deixar de ser tão gentil, como no caso dessa declaração. No momento, nós temos que mostrar a nossa soberania. Então, o cerimonial deve ser flexibilizado. Tem momentos em que o chefe de estado precisa ter uma postura mais forte.
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